"Poderíamos aqui meditar sobre como seria saudável também para a nossa sociedade atual se num dia as famílias permanecessem juntas, tornassem o lar como casa e como realização da comunhão no repouso de Deus" (Papa Bento XVI, Citação do livro Jesus de Nazaré, Trad. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ, São Paulo: Ed. Planeta, 2007, p. 106)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Vaticano perante a ONU: Aborto não resolve o problema da mortalidade materna



GENEBRA, 20 Set. 11 (ACI/EWTN Noticias) .-

O Observador Permanente da Santa Sé perante as Nações Unidas e organismos internacionais em Genebra (Suíça), Dom Silvano Tomasi, explicou durante a 18ª Sessão do Conselho de Direitos humanos (CDH) deste órgão que "o aborto não resolve as principais causa de mortalidade" materna.
Na sessão, cujo tema a ser tratado foi a redução da mortalidade por causa da gravidez, Dom Tomasi estimou a importância de diminuir a morte das mulheres grávidas, mas  "sem reconhecer o aborto como método de planejamento familiar".
Segundo a agência vaticana Fides, em sua intervenção o Prelado assinalou a necessidade de "reconhecer que não houve progressos suficientes para evitar as 350 mil mortes durante a gravidez e o parto. A emergência sobre os riscos para a mulher vai além com práticas como a infibulação feminina, os matrimônios de meninas e outras violências".
Nesse sentido, recalcou que cada mulher tem a mesma dignidade que o homem, "uma vocação diferente, mas não de menor valor que do homem".
Do mesmo modo, disse que a Igreja não aceita programas de promoção da contracepção e do aborto que, "por exemplo na África, não resolvem as principais causa de mortalidade".
O Arcebispo destacou que a Igreja Católica tem um compromisso com o âmbito da saúde, e em particular com as pessoas excluídas da assistência assegurada pelos governos, e no âmbito educativo, mas também na promoção de políticas que protejam seus direitos.
Diante destas coincidências com as posturas do CDH da ONU, o Prelado reafirmou que a Igreja não compartilha a expressão "aborto perigoso" que pretende sugerir a existência de um "aborto são", já que qualquer aborto destrói a vida humana, e muito menos o concebe como um método de planejamento familiar.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A CONVIVÊNCIA SUPÕE A PACIÊNCIA


Progredi na caridade, segundo o exemplo de Cristo
que nos amou e por nós se entregou a Deus
 (Ef 5,2).
Li em algum lugar que um frio terrível se abatera sobre o reino dos animais. Frio tão intenso que, se alguém ficasse sozinho, acabaria congelando. Por isso os animais se agrupavam, um encostado no outro, para que se aquecessem. O porco espinho fez o mesmo, mas logo desistiu: ficou incomodado com as pequenas espetadas de seu colega porco-espinho. Preferiu dormir sozinho. Resultado: morreu congelado. E assim, a cada dia morria um porco-espinho no reino dos animais. Nenhum suportava as espinhadas do outro. Prevendo um fim trágico para todos, entraram num acordo: ficar todos bem juntinhos, se aquecendo, apesar dos espinhos, para não morrerem.
Essa historinha traz uma lição importante: ninguém consegue viver sozinho e ninguém consegue conviver sem algum tipo de sacrifício. Cada pessoa tem "espinhos" que incomodam outros, e os outros têm alguns espinhos que a irritam. Os espinhos são os defeitos pessoais, as limitações, manias. São o modo de falar, de agir, a aparência externa, limites emocionais, cacoetes, pequenas coisas que nos irritam. Percebo os defeitos do outro e ele percebe os meus. Fica a escolha: viver sem incômodos e morrer, ou conviver com eles para viver.
Essas coisas dependem muito de nosso olhar, de nossos sentimentos: atrás de um espinho podemos ver uma roseira ou um espinheiro. Se vemos uma roseira, vale a pena suportar os espinhos devido à beleza da rosa. Se vemos um espinheiro, tomamos distância. No romantismo do namoro e do noivado, os defeitos parecem pequenos encantos, porque o amor é muito forte, é ainda paixão. Depois, no casamento, se entra na rotina, e os defeitos "encantadores" viram motivo de confusão…
A convivência tem por objetivo ajudarmos as pessoas a se aperfeiçoarem. Pelo afeto, compreensão e diálogo ajudá-las a superarem seus limites. Se exijo que o outro não tenha nenhum defeito, tudo bem, somente que o outro também exigirá isso de mim e acabaremos morrendo de solidão, de tédio.
A moça que procura um jovem perfeito para o casamento, acaba ficando sozinha. O marido que sonha com uma rainha dentro do lar, vai perceber que a esposa também quer um rei e lá se vai água abaixo o amor familiar. Há gente sem amigo porque procura o impossível: um amigo perfeito. Muita coisa boa não é construída porque, de tanto enxergar defeito nas pessoas, não temos mais colaboradores.
Atingimos a arte de conviver suportando as pequenas "espetadas" de cada dia, sabendo que nossa paciência ajudará o outro a ser melhor. Vale a pena conviver com pequenas limitações, pois a alegria do estarmos juntos com os outros é muito maior. Se nos isolamos para não nos incomodarmos com os defeitos alheios, acabaremos aumentando o tamanho de nossos defeitos pessoais. O isolamento nos torna incapazes de nos enxergarmos a nós mesmos e nos torna amargos frente à vida.
O outro é meu espelho e eu sou o espelho dele. Às vezes, o que mais me irrita nas pessoas é aquilo que eu tenho e também as irrita. Dizem que vemos nos outros os defeitos que não enxergamos em nós!
Mas não é só por isso, por interesse pessoal, que aceitamos os pequenos sacrifícios impostos pela convivência. Nosso objetivo é maior vai além: existimos para que o outro possa existir. Fomos criados para multiplicar a solidariedade e não a solidão. Ninguém é uma ilha.
Precisamos de humildade, se não quisermos acabar sozinhos. Apesar de alguma "espetada", a convivência enche nossa vida de calor humano. E então, vale a pena viver!
Pe. José Artulino Besen


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

“O amor conjugal e o respeito pela vida humana” (Vaticano II)



"O amor conjugal e o respeito pela vida humana"  ou "A Condenação do Aborto, Esterilização e Anticoncepção no Concílio Vaticano II"
 "O Concílio não ignora que os esposos, na sua vontade de conduzir harmonicamente a própria vida conjugal, encontram frequentes dificuldades em certas circunstâncias da vida atual; que se podem encontrar em situações em que, pelo menos temporariamente, não lhes é possível aumentar o número de filhos e em que só dificilmente se mantêm a fidelidade do amor e a plena comunidade de vida. Mas quando se suspende a intimidade da vida conjugal, não raro se põe em risco a fidelidade e se compromete o bem da prole; porque, nesse caso, ficam ameaçadas tanto a educação dos filhos como a coragem necessária para ter mais filhos.
Não falta quem se atreva a dar soluções imorais a estes problemas, sem recuar sequer perante o homicídio. Mas a Igreja recorda que não pode haver verdadeira incompatibilidade entre as leis divinas que regem a transmissão da vida e o desenvolvimento do autêntico amor conjugal.
Com efeito, Deus, senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis. A índole sexual humana e o poder gerador do homem, eles superam de modo admirável o que se encontra nos graus inferiores da vida; daqui se segue que os mesmos atos específicos da vida conjugal, realizados segundo a autêntica dignidade humana, devem ser objeto de grande respeito. Quando se trata, portanto, de conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, a moralidade do comportamento não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação dos motivos; deve também determinar-se por critérios objetivos, tomados da natureza da pessoa e dos seus atos; critérios que respeitem, num contexto de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana. Tudo isto só é possível se cultivar sinceramente a virtude da castidade conjugal. Segundo estes princípios, não é lícito aos filhos da Igreja adotar, na regulação dos nascimentos, caminhos que o magistério, explicitando a lei divina, reprova.
Todos, finalmente, tenham bem presente que a vida humana e a missão de a transmitir não se limitam a este mundo, nem podem ser medidas ou compreendidas unicamente em função dele, mas que estão sempre relacionadas com o eterno destino do homem.
Gaudium et Spes, Documento do Concílio Vaticano II

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

"O progresso e a promoção do matrimônio e da família" (Vaticano II)



O progresso e a promoção do matrimônio e da família
A família é como que uma escola de valorização humana. Para que esteja em condições de alcançar a plenitude da sua vida e missão, exige, porém, a benévola comunhão de almas e o comum acordo dos esposos, e a diligente cooperação dos pais na educação dos filhos. A presença ativa do pai contribui poderosamente para a formação destes; mas é preciso assegurar também a assistência ao lar por parte da mãe, da qual os filhos, sobretudo os mais pequenos, têm tanta necessidade; sem descurar, aliás, a legítima promoção social da mulher. Os filhos sejam educados de tal modo que, chegados à idade adulta, sejam capazes de seguir com inteira responsabilidade a sua vocação, incluindo a sagrada, e escolher um estado de vida; e, se casarem, possam constituir uma família própria, em condições morais, sociais e econômicas favoráveis. Compete aos pais ou tutores guiar os jovens na constituição da família com prudentes conselhos que eles devem ouvir de bom grado; mas evitem cuidadosamente forçá-los, direta ou indiretamente, a casar-se ou a escolher o cônjuge.
A família - na qual se congregam as diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social - constitui assim o fundamento da sociedade. E por esta razão, todos aqueles que têm alguma influência nas comunidades e grupos sociais, devem contribuís eficazmente para a promoção do matrimônio e da família. A autoridade civil há de considerar como um dever sagrado reconhecer, proteger e favorecer a sua verdadeira natureza, assegurar a moralidade pública e fomentar a prosperidade doméstica. Deve salvaguardar-se o direito de os pais gerarem e educarem os filhos no seio da família. Protejam-se também e ajudem-se convenientemente, por meio duma previdente legislação e com iniciativas várias, aqueles que por infelicidade não beneficiam duma família.
Os cristãos, resgatando o tempo presente, e distinguindo o que é eterno das formas mutáveis, promovam com empenho o bem do matrimônio e da família, com o testemunho da própria vida e cooperando com os homens de boa vontade; deste modo, superando as dificuldades, proverão às necessidades e vantagens da família, de acordo com os novos tempos. Para alcançar este fim, muito ajudarão o sentir cristão dos fiéis, a retidão de consciência moral dos homens, bem como o saber e competência dos que se dedicam às ciências sagradas.
Os cientistas, particularmente os especialistas nas ciências biológicas, médicas, sociais e psicológicas, podem prestar um grande serviço para bem do matrimônio e da família se, juntando os seus esforços, procurarem esclarecer mais profundamente as condições que favorecem a honesta regulação da procriação humana.
Cabe aos sacerdotes, devidamente informados acerca das realidades familiares, auxiliar a vocação dos esposos na sua vida conjugal e familiar por vários meios pastorais, com a pregação da palavra de Deus, o culto litúrgico e outras ajudas espirituais; devem ainda fortalecê-los, com bondade e paciência, nas suas dificuldades e reconfortá-los com a caridade, para que assim se formem famílias verdadeiramente irradiantes.
As diferentes obras, sobretudo as associações de famílias, procurem fortalecer com a doutrina e a ação os jovens e os esposos, especialmente os casados de há pouco, e formá-los para a vida familiar, social e apostólica.
Finalmente, os próprios esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afeto e de pensamento e com mútua santidade de modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida, se tornem, pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e ressurreição."
Gaudium et Spes, Documento do Concílio Vaticano II

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A vida familiar, caminho de santidade



Artigo de D. Francisco Gil Hellín publicado em Romana, n. 20 (1995)
Ao enfrentar o tema da santidade dos esposos, da santidade na vida familiar, ou da santidade na vida conjugal, vem à mente, necessariamente, o princípio configurador de qualquer família, que é o que deve ser santificado: o pacto de aliança conjugal entre os esposos. «A vocação universal à santidade dirige-se também aos cônjuges e aos pais cristãos; para eles foi especificada pelo sacramento celebrado e traduzida nas realidades da existência conjugal e familiar» [1].

Com efeito, não se pode falar de santidade cristã na vida familiar sem viver segundo o Espírito de Cristo a realidade que a constitui e as exigências que traz consigo. Por outras palavras. Não se pode construir a santidade dos membros da família – em primeiro lugar, a dos esposos – sem viver a verdade contida no facto de ser família e, portanto, no pacto ou aliança em que se fundamenta.

As tarefas essenciais que configuram a vida familiar estão já presentes no pacto conjugal. Os elementos primordiais de tal aliança são as coordenadas fundamentais da vida familiar. A vocação cristã exige viver segundo o Espírito de Cristo esta realidade natural inerente à Criação, configurada para os cristãos pelo Mistério Pascal. «O início da plenitude dos tempos (cfr. Gal 4, 4), o momento escolhido por Deus para manifestar plenamente o seu amor aos homens, entregando-nos o seu próprio Filho (…) realiza-se no meio das circunstâncias mais normais e correntes: uma mulher que dá à luz, uma família, uma casa. A omnipotência divina, o esplendor de Deus passam através das coisas humanas, unem-se às coisas humanas» [2].

Pode-se falar, portanto, de um materialismo cristão [3] que vive, no espírito do dom pascal, a realidade concreta da comunhão entre o homem e a mulher, saída das mãos de Deus Criador. Opondo-se a todo o tipo de espiritualismo, a santidade cristã de quantos foram chamados aos matrimónio requer, sobretudo, viver a realidade de ser «dois, numa só carne» (Gn 2, 24). Isto certamente não num sentido redutor mas, sim, conforme a toda a riqueza que implica esta expressão bíblica no âmbito da comunhão interpessoal.

Nisto consiste a tarefa fundamental desta vocação cristã, da qual S. Josemaria Escrivá foi pioneiro com a sua pregação [4] nos anos trinta. É um modo específico de viver esse chamamento universal à santidade no meio do mundo, próprio dos fiéis leigos. Além da sua incansável pregação, S. Josemaria contribuiu para que na vida da Igreja se tornasse realidade este chamamento a santificar-se no matrimónio e na família por meio de tantos milhares de casais que tentam encarná-lo nas suas próprias vidas, respondendo assim à própria vocação de filhos de Deus no Opus Dei. A maioria dos membros do Opus Dei, como declarava o seu Fundador, «vivem no estado matrimonial e, para eles, o amor humano e os deveres conjugais são parte da vocação divina» [5].


1. Os deveres fundamentais da vida conjugal

Os deveres primordiais e essenciais da vida familiar estão determinados, dizíamos, pela própria essência do matrimónio sobre a qual assenta a família. A família não pode surgir sem se referir à entrega conjugal do homem e da mulher; tão pouco esta poderia existir à margem da intrínseca exigência de transmitir a vida, procurar e educar novas vidas.

Comunhão de pessoas e serviço à vida são os valores, essenciais e interdependentes, próprios da família. Como pode ver-se, são as próprias leis estruturais do matrimónio. O pacto matrimonial não existiria sem a comunhão conjugal, fruto da recíproca entrega, mas também sem a conatural orientação para transmitir a vida e educar os filhos.

Confirma-o a conexão existente entre a segunda e a terceira parte da Exortação apostólica Familiaris consortio. A parte específica e central do documento, a terceira, começa com o conhecido imperativo: «Família sê o que és!» [6]. Nela são desenvolvidos os dois aspectos constitutivos essenciais da missão da família: comunidade de pessoas (cap. I) e serviço à vida (cap. II). Precedentemente, a segunda parte, fundamento da terceira, relativa aos deveres familiares, está dedicada ao desígnio de Deus sobre o matrimónio e a família.

O mandamento «Família, sê o que és!» tem as suas raízes no próprio ser do matrimónio, o qual se expressa em leis que estruturam a família. A riqueza contida na semente do matrimónio desenvolve-se com toda a sua força e potência na vida familiar, confirmando dia a dia a validade e o desígnio do germe inicial.

O valor da família fundamenta-se originariamente sobre a qualidade da recíproca entrega dos esposos. É o bem fundamental da célula básica da sociedade. A sociedade estrutura-se segundo vínculos humanos que situam as pessoas em relações de solidariedade, interdependência e serviço. Entre estes laços, o matrimónio possui uma prioridade constitutiva. Embora seja possível prescindir, em maior ou menor medida, de outras relações sociais, esta é substantiva e essencial, e condiciona a qualidade global de uma sociedade. Como recorda a Gaudium et spes, a união do homem e da mulher «constitui a primeira forma de comunhão de pessoas» [7].

O livro do Génesis expressa tal conceito de modo admirável, ao concluir a apresentação ao homem da mulher recém-criada afirmando: «Por isto o homem abandonará o seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne» (Gn 2, 24). Apesar de ser tão forte o nexo dos filhos com os seus pais sob o ponto de vista biológico – físico até, no que diz respeito à mãe –, de facto não é esta a união mais poderosa que existe na sociedade humana. Há outra que, partindo de seres diferentes pelo sexo e sangue, cria uma fusão natural tão forte que a sua desintegração é tão impressionante como o desmembramento de um corpo vivo [8]. A entrega conjugal une e funde os esposos de tal modo que chegam a ser «uma só carne».

«Quando o homem e a mulher, no matrimónio, se entregam e se recebem reciprocamente na unidade de "uma só carne", a lógica da entrega sincera entra nas suas vidas» [9]. A maturidade e a riqueza humana de um e outro dos componentes do par reflecte-se, necessariamente, no resultado desta «una caro».

Tudo isto determina que o ideal da família que se quer constituir deva influir desde a escolha recíproca dos noivos, e em todo o processo formativo do período preparatório. Com efeito, como diz João Paulo II na Carta às famílias, «a união conjugal – significada na expressão bíblica numa só carne – só pode ser compreendida e explicada plenamente recorrendo aos valores da "pessoa" e da "entrega"» [10]. Em tal processo de conhecimento e compenetração existem aspectos determinantes para a futura família. Sobre alguns deles não poderá transigir-se e será necessário reparar as lacunas de cada pretendente. Doutra forma, os problemas postergam-se mas não se resolvem, e logo voltarão a aparecer, com menores possibilidades de os solucionar adequadamente.

A doação mútua, portanto, colocada na base da «una caro» dos esposos, deve inspirar a recíproca relação em toda a vida conjugal, e deve penetrar e configurar toda a vida familiar. Por exemplo, as relações entre pais e filhos têm as suas raízes na doação ao cônjuge. A paternidade e a maternidade não só não lesam a mútua entrega dos cônjuges como a enriquecem, constituindo a sua optimização mais coerente.

Com efeito, a qualidade da doação recíproca potencia e torna idóneos para uma paternidade e maternidade generosas e cheias de conteúdo. A procriação e a educação dos filhos amadurecem e cultivam-se na genuína entrega esponsal. A tendência para excluir os filhos do horizonte e da doação de si mesmos, ou o limitá-los de maneira injustificada e imprópria, manifesta a imaturidade da dita entrega e a intensidade do egoísmo que a paralisa. Nessa mesma medida priva a entrega pessoal ao esposo ou à esposa da intrínseca referência entre si como ao pai ou à mãe dos próprios filhos.

Já que o doar-se dos esposos é conjugal, a transmissão da vida e aquilo que implica a formação destes repercute-se naturalmente na vida matrimonial. A íntima relação dos cônjuges, a descoberta da maternidade e da paternidade, o crescimento e a educação dos filhos traduzem, em experiência existencial, o bem previamente contido no matrimónio. A comunhão de pessoas, iniciada com uma referência directa entre esposo e esposa, cresce agora e dilata-se pela força de uma lei inscrita no seu ser, transmitindo e formando a «imagem de Deus» nos próprios descendentes.

O serviço à vida não é algo acrescentado à família, é antes um dos seus elementos constitutivos, já que o dom dos esposos tem como fim, pela sua própria estrutura natural, o cuidado da vida. Quando esta força orientadora se desordena e perverte, o próprio egoísmo conjugal corrompe e, nalgumas ocasiões, desnaturaliza a doação mútua dos esposos.

A mentalidade anticonceptiva, mesmo que não alcance a exclusão absoluta dos filhos, prejudica a qualidade da entrega conjugal em muitas famílias. Muitas desventuras conjugais, que terminam perante um juiz tentando obter a declaração de nulidade ou desembocam num divórcio civil, encontram a sua origem numa entrega que excluía a transmissão da vida ou, pelo menos, diferia-a sem motivos sérios. Alguns talvez chegassem a pensar que deste modo fortaleciam a sua total entrega conjugal. Mas a realidade é que nem a procriação prévia ao matrimónio favorece a qualidade da doação mútua, nem esta cresce nem melhora fechando-se ao serviço da vida. Em ambos os casos, se contradiz a entrega conjugal.

Tal entrega possui algumas leis intrínsecas, e cresce e desenvolve-se em conformidade com elas. Doutra forma, não obstante o que aparente à primeira vista, languidesce e pode chegar a morrer por causa dos contínuos actos que contradizem o seu dinamismo natural. «Toda a vida do matrimónio é entrega, mas isto faz-se singularmente evidente quando os esposos, oferecendo-se reciprocamente no amor, realizam aquele encontro que faz dos dois "uma só carne" (Gn 2, 25)» [11].


2. O amor conjugal, alma da vida familiar

O amor conjugal anima e vivifica a vida familiar. Este dinamismo coerente, que faz viver os esposos na alegria da mútua doação, conforma todos os laços familiares com o alegre espírito da entrega. Por isso o amor conjugal faz que as relações entre os pais e os filhos estejam animadas pelo espírito de entrega mútua dos esposos, o qual se estende e difunde a todos os membros da família. A solidez ou fragilidade de tal entrega, manifestada consciente ou inconscientemente na vida quotidiana, indica o grau de consistência de uma família como grupo social.

O amor conjugal não é um dinamismo cego, com manifestações autónomas, mas pelo contrário vivifica a estrutura essencial do matrimónio e, portanto da família. «Deus quis servir-se do amor conjugal para trazer novas criaturas ao mundo e aumentar o corpo da Igreja» [12]. A doação mútua dos esposos e o seu serviço à vida não são leis internas do matrimónio e da família independentes do amor conjugal. Sem este, não se teria levado a cabo a entrega recíproca e esta, sem tal impulso de amor, ficar-se-ia por um compromisso pactuado mas incapaz de cumprir-se por falta de força vital. A doação recíproca dos esposos nasceu com um acto de amor, mas tal doação não se reduz a esse acto de amor constitutivo. Mais ainda, a entrega conjugal reclama ser sustentada e vivificada continuamente pelo amor como seiva vital.

O amor conjugal, ao suscitar como princípio vital a entrega recíproca dos esposos, vivifica também todo o serviço à vida próprio do matrimónio e da vida conjugal. «Não há amor claro, franco e alegre no matrimónio, se não se vive a virtude da castidade, que respeita o mistério da sexualidade e o ordena à fecundidade e à entrega» [13].

Embora a mútua entrega se ordene por si mesma ao serviço da vida, é difícil que tal serviço seja abundante se o amor for débil e vacilante. Um lar em que o serviço à vida – com tudo o que comporta a sua transmissão, a educação dos filhos e a comunicação entre os membros – é florescente, revela que um amor forte e poderoso vivifica toda a estrutura da mútua entrega. A força do amor conjugal torna operativo todo o ser do matrimónio, que é a própria comunhão dos esposos ao serviço da vida. Pelo contrário, sem o dinamismo do amor todo o organismo do matrimónio e da família fica anquilosado e paralisado.

A existência do matrimónio não depende do amor, no sentido de que o seu desaparecimento dissolva a consistência do matrimónio. É verdade que se faltar o amor no matrimónio, fica adormecida tanto a sua vida como a sua actividade. Do mesmo modo que a vida da semente a faz germinar e nos dá a conhecer a estrutura da planta, e depois, como seiva vivificante a faz crescer e produzir flores e frutos, assim o amor conjugal faz germinar o matrimónio como instituição com a sua própria estrutura específica. Por conseguinte, se o amor, como princípio vital, continua a alimentar tal estrutura, esta desenvolve-se numa comunhão de vida entre os cônjuges e cresce transmitindo a vida aos descendentes.

É a vida do matrimónio e da família, e não o seu ser constitutivo, o que está implicado directamente na presença ou na ausência do amor conjugal, ou do amor paterno e materno pelos filhos. Sem dúvida que a instituição matrimonial sem amor conjugal é como um cadáver, o qual apesar de possuir toda a estrutura física de um ser humano, nem por isto é um ser vivo. A estrutura do matrimónio e da família tem necessidade do amor como do seu espírito e da sua vida; um espírito que pode sempre ressurgir, superando possíveis crises conjugais, ainda que tivesse adormecido ou aparentemente se tivesse perdido. Este amor é a resposta permanente, actual e viva, à exigência de entrega total que está na base do matrimónio. O amor conjugal, por sua vez, expressa-se tornando-se evidente mediante a estrutura, mas esta não pode ser modificada conforme a vontade dos cônjuges. O amor conjugal pode deste modo crescer e desenvolver-se até à plenitude da sua perfeição.

A vida íntima conjugal é uma manifestação específica da doação recíproca entre os esposos e o modo próprio em que a «una caro» dos esposos demonstra a sua conatural ordenação à transmissão da vida. Como pode ver-se, as próprias leis da estrutura do matrimónio e da família – entrega dos cônjuges e serviço à vida – constituem as coordenadas estruturais do acto conjugal. São dois aspectos que a Encíclica Humanae vitae afirma como significados essenciais e inseparáveis: unitivo e procriador.

No entanto, estes aspectos essenciais, que compõem o ser do acto conjugal, devem ser vivificados pelo amor. Pelo qual, como recorda a Constituição pastoral Gaudium et spes ao falar da moralidade conjugal, é necessário recorrer a critérios objectivos que mantêm, num contexto de verdadeiro amor, o sentido íntegro da mútua entrega e da procriação humana [14]. Com palavras do Fundador do Opus Dei: «as relações conjugais são dignas quando são prova de verdadeiro amor e, portanto, estão abertas à fecundidade, aos filhos» [15].

São, portanto, dois os critérios objectivos da moralidade conjugal, indicados pelos Padres conciliares, que foram explicitamente concretizados por Paulo VI na resposta à questão dos contraceptivos. Estes critérios unitivo e procriador da vida conjugal, radicados no próprio ser do matrimónio, ajudam a entender e diferenciar os aspectos da vida matrimonial e familiar.

Tais critérios tornam incompatível a anti-concepção, qualquer que seja a sua forma, com a santidade na vida conjugal. Do mesmo modo se excluem radicalmente todo o tipo de procriação artificial, seja heteróloga ou homóloga. Com efeito, enquanto que qualquer forma de anti-concepção destrói a orientação natural da entrega conjugal à transmissão da vida, a procriação artificial, também a homóloga, substitui e, portanto, elimina desta acção a própria doação conjugal. Nem no caso de um acto anti-conceptivo se pode falar de verdadeiro acto conjugal, por estar privado voluntariamente de um dos seus aspectos essenciais; nem no caso da fecundação artificial a vida é fruto da recíproca entrega dos esposos.

A santidade da vida matrimonial conduz os esposos a viver o acto próprio e específico dos cônjuges com o mesmo amor que os levou à entrega matrimonial. No dito acto, «o homem e a mulher estão chamados a ratificar de maneira responsável a recíproca entrega que fizeram de si mesmos com a aliança matrimonial» [16]. Mais ainda, a comunhão específica, mediante a qual chegam a ser «uma só carne» pode expressar e aperfeiçoar de maneira singular aquele amor conjugal que deu origem ao matrimónio [17]. Fomentar o exercício da intimidade conjugal, privando-a positivamente da potencialidade procriadora, com o pretexto de não pôr em perigo a fidelidade conjugal, é buscar a solução de possíveis males com remédios paliativos que, além de não resolver os problemas, os acentuam e agravam.

A santidade da vida íntima conjugal assume a mesma condição dos esposos e da sua união íntima na carne, sabendo respeitar, nas leis intrínsecas da relação física, o mistério transcendente das pessoas como colaboradoras do Deus da vida. Santificar também a recíproca entrega física prova e expressa, neste acto de amor, até que ponto a vida de relação dos esposos está impregnada de entrega e de abertura aos filhos.


3. Realidades humanas vividas segundo o Espírito de Cristo

Estes deveres conaturais ao matrimónio e à família convertem-se em obras de santidade para os esposos, os quais foram fortalecidos pelo sacramento do matrimónio. «O matrimónio existe para que aqueles que o contraem se santifiquem nele e através dele. Para isso, os cônjuges têm uma graça especial que o sacramento instituído por Jesus Cristo confere» [18].

O mistério da graça da união de Cristo com a Igreja, do qual participam agora, acrescenta uma capacidade peculiar de testemunhar e plasmar através dos deveres próprios de todos os esposos, a presença do Salvador no mundo e a autêntica natureza da Igreja na história dos homens [19].

O sacramento do matrimónio, instituído por Cristo, dizia S. Josemaria Escrivá, é «sinal sagrado que santifica, acção de Jesus que invade a alma dos que se casam e os convida a segui-lo, transformando toda a vida matrimonial num andar divino pela terra» [20].

Esta transformação da vida conjugal e familiar por Cristo é obra do seu Espírito, que actua em primeiro lugar pela caridade. A vida dos esposos e pais cristãos e dos outros membros da família, revela o mistério do amor de Deus entre os homens, na medida em que as suas relações familiares e sociais estão impregnadas das virtudes teologais: a fé, a esperança, a caridade.

Tudo aquilo que expressa a relação de entrega recíproca dos esposos cristãos encontra-se sob a acção da graça. Por isso, na medida em que cada um deles se apercebe desta realidade, assumindo-a de modo consciente com a docilidade que exige a acção do Espírito Santo nas suas almas, cresce e participa mais abundantemente da vida de Deus como esposos e pais. A união vital existente entre a relação com Deus e a entrega conjugal ao esposo ou à esposa começa a ser uma realidade sólida. Esta mesma entrega conjugal especifica a entrega própria a cada um dos outros membros da família.

O amor de Deus e o amor do cônjuge percorrem um mesmo caminho que manifesta, numa linguagem humana compreensível a qualquer pessoa, os tesouros insondáveis do mistério da Encarnação. Mas, ao mesmo tempo, é o amor de Deus, forte como a morte [21], o que purifica, configura e eleva todas as expressões humanas do amor e da entrega entre os esposos para que sejam instrumentos que manifestam a doação de Cristo à Igreja.

A espiritualidade conjugal não se constitui a partir do exterior com a multiplicação dos actos de piedade, com a simples imitação de comportamentos exemplares. A piedade e a imitação das virtudes sem dúvida alimentam a santidade dos esposos na medida em que os conduz a viver mais plenamente o sentido sacramental da sua união. «Os casados estão chamados a santificar o seu matrimónio e a santificar-se nessa união: cometeriam, por isso, um grave erro. se edificassem a sua vida espiritual à margem do lar» [22].

A espiritualidade conjugal cristã tem o seu próprio fundamento no mistério da entrega fecunda de Cristo à sua Igreja, da qual os esposos cristãos participam mediante o sacramento do matrimónio. Esta participação constitui um princípio dinâmico que, operando por meio das virtudes da fé, da esperança e da caridade, converte o próprio lar numa célula fundamental e vivificante do Reino de Deus em Cristo: a igreja doméstica.

Quando na família se vive em coerência com este mistério participado, os filhos nascem como o fruto concreto da entrega dos esposos: expressões da carne, fruto do espírito. Como a fidelidade, também o serviço à vida, próprio da entrega conjugal, vive-se não na agitação e desassossego da carne, mas com a força unificadora do espírito.

O serviço à vida, quer seja a procriação, o crescimento e a alimentação, a educação ou a formação, não pode senão reforçar o dom mútuo dos esposos. Um equilíbrio precário no serviço à vida, que não traz consigo o crescimento na comunhão dos esposos, manifesta-se numa entrega já débil ou doente a partir do momento do compromisso matrimonial, ou que se que se quebrou e debilitou por causa de uma vida incoerente. Não existe uma entrega conjugal que não comporte uma maior exigência de serviço à vida, assim como não se dá um radical empenho de transmitir a vida e servi-la que não leve a concretizar e melhorar a entrega dos esposos.

O trabalho, a convivência, a relação quotidiana nas actividades mais transcendentes ou mais ordinárias, constituem a trama do exercício das virtudes que impregnam toda a vida doméstica. A constância em levar por diante as próprias ocupações, a serenidade e afabilidade no trato com os outros, a sinceridade para reconhecer os próprios erros, a capacidade de compreender e perdoar, a fortaleza para corrigir os defeitos pessoais, a paciência consigo próprio e com os outros, o optimismo para ajudar a superar-se… são virtudes que, apoiando-se na fé, esperança e caridade, traduzem na vida dos filhos de Deus o quotidiano desenrolar da vida familiar.

Assim se expressa S. Josemaria: «A vida familiar, as relações conjugais, o cuidado e a educação dos filhos, o esforço por sustentar, manter e melhorar economicamente a família, as relações com as outras pessoas que constituem a comunidade social, tudo isso são situações humanas e correntes que os esposos cristãos devem sobrenaturalizar» [23].


4. União conjugal generosa e fecunda

A santidade matrimonial requer, portanto, viver no espírito do Mistério Pascal – Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo –, uma manifestação específica da vida dos esposos: a relação conjugal íntima. Esta possui indubitavelmente uma forte influência e repercussão sobre a santidade dos outros componentes da família, enquanto que aparece como a pedra angular do arco da coerência de vida própria do estado esponsal.

Certamente qualquer comunicação de palavras e outras acções entre os cônjuges pode expressar a sua recíproca entrega e a positiva acção de serviço à vida: um sorriso, o olhar, uma amabilidade, uma palavra, um gesto, um serviço… No entanto, a união íntima da carne como expressão da comunhão das suas pessoas é singular e específica.

Esta união actualiza no tempo a verdade da aliança conjugal estipulada com a doação recíproca das pessoas do homem e da mulher. Por conseguinte tal dom requer o seu cumprimento em plenitude como união única, exclusiva e para sempre. Não admite que lhe falte nenhuma das propriedades naturais do pacto matrimonial. Só a suspeita disto impediria que houvesse verdadeira comunicação íntima, despojando-a da sua condição específica de comunhão de pessoas.

A santidade esponsal implica, portanto, viver a verdade desta união com generosidade e a coerência da entrega que tal comunhão actualiza. A expressão da recíproca entrega conjugal, além de exigir a coerência, promove-a, enquanto constitui um chamamento a viver as exigências que actualiza. A sinceridade da entrega quotidiana prepara e dispõe a viver esta expressão específica de verdadeiro dom recíproco, e este, por sua vez, pode ajudar a expressá-la nos variados e diversos aspectos da vida.

Portanto, a santidade cristã dos esposos requer viver segundo o Espírito a realidade plena de tal entrega. O mistério da entrega de Cristo à Igreja – até à morte, e morte de cruz –, no qual os esposos cristãos participam em virtude do matrimónio, deve impregnar esta comunhão das pessoas com a lei da entrega, mais que da posse. Esta união é sempre fecunda e, geralmente, manifesta-se também com os frutos da procriação. A geração humana exige a comunhão dos progenitores numa só carne como manifestação da comunhão existente entre as suas pessoas. Por isso, os aspectos da união e da procriação são elementos inseparáveis de um mesmo valor moral. Por este motivo, para viver uma procriação responsável, necessária à santidade dos esposos, é pressuposto indispensável a responsabilidade na mencionada comunhão.

As faculdades superiores do homem não possuem um domínio directo e absoluto sobre a procriação, como também sobre as outras funções biológicas do homem. Delas dependem certamente os actos da relação íntima, necessários para a transmissão da vida. Assim, a conexão entre os actos conjugais e a transmissão da vida têm as suas próprias leis, não submetidas ao domínio da vontade. Portanto, falar de procriação responsável implica directa e propriamente a responsabilidade na comunicação íntima conjugal. Só indirecta e mediatamente pode ser relativa a faculdade de transmitir a vida.

A responsabilidade exerce-se, ou deixa de exercer-se, nos actos que dependem da vontade; do qual decorre que os efeitos consequentes são responsáveis ou irresponsáveis. Não se pode propor como responsável a vontade de não procriar, sem que esta mesma vontade determine uma atitude coerente nas relações conjugais. Em conclusão, não se pode ser irresponsável nas relações íntimas e pretender ser responsável na transmissão da vida.

Isto implica para a santidade conjugal, que o Espírito de Cristo penetre nas relações íntimas dos esposos ,assumindo consciente e responsavelmente a própria índole de transmissores da vida. Não é suficiente por parte dos esposos o respeito da vida que tais actos podem eventualmente suscitar; a santidade matrimonial implica uma disposição positiva a respeito da vida que tal união, voluntária e consciente, pode procriar.

Somente quando existem sérios motivos que tornariam irresponsável suscitar uma nova procriação, se justifica o recurso a relações naturalmente infecundas. Tal continência periódica, em si mesma lícita, requererá no entanto que os esposos assumam de modo responsável a eventualidade de que a relação possa ser fecunda. Esta natural incerteza relativa aos actos conjugais e à sua fecundidade, exigirá dos esposos, nalgumas circunstâncias, uma abstenção proporcionada com a gravidade dos motivos que desaconselham a transmissão da vida, e mesmo a absoluta abstinência, quando a possível procriação, que continua a ser voluntária in causa, pudesse comprometer um bem tão grande como a vida da esposa.

Como se adverte com clareza, as exigências da vida conjugal não se podem viver sem um grau de amor e desprendimento de si mesmo tais que transcendem toda a força humana e reclamam o auxílio divino. Com efeito, não existe na ordem natural um acto de maior amor e desprendimento que o contido e implicado na doação matrimonial. Tudo isto leva o Santo Padre a perguntar-se: «Acaso se pode imaginar o amor humano sem o Esposo e sem o amor com que Ele amou primeiro até ao extremo?» A tal pergunta, responde assim: «Só se participam neste amor e neste "grande mistério", os esposos podem amar "até ao extremo"; ou se tornam participantes dele, ou então não conhecem verdadeiramente o que é o amor e a radicalidade das suas exigências» [24].


5. Exercício das virtudes cristãs
Para os esposos cristãos, o matrimónio e, concretamente, os aspectos da entrega conjugal e da transmissão da vida constituem o âmbito específico da própria santidade, quer dizer, o lugar próprio do exercício de todas as virtudes, principalmente as teologais. «Para santificar cada jornada, é necessário exercitar muitas virtudes cristãs, as teologais em primeiro lugar e, depois, todas as outras: a prudência, a lealdade, a sinceridade, a humildade, a laboriosidade, a alegria…» [25]. A ajudá-los-á a descobrir o mistério de que participam, em pormenores, exigências, penas e alegrias da vida ordinária. «Com efeito – sublinha a Familiaris consortio –, só na fé os esposos podem descobrir e admirar com gozosa gratidão, a que dignidade quis Deus elevar o matrimónio e a família, constituindo-os como sinal e lugar da aliança de amor entre Deus e os homens, entre Jesus Cristo e a sua esposa a Igreja» [26].

Esta mesma fé fará perceber aos esposos na sua vida, nos momentos e circunstâncias de dor e sofrimento, o mistério da entrega redentora de Cristo pelos homens. «Dentro e através dos acontecimentos, os problemas, as dificuldades, os factos da existência de todos os dias, Deus vem a eles revelando e propondo as "exigências" concretas da sua participação no amor de Cristo pela Igreja» [27]. A própria fé cristã projectará luz abundante sobre a responsável entrega íntima como expressão concreta do amor de Cristo por cada um deles através do outro, também no gozo sensível e espiritual que advém da dita entrega. Será assim um farol resplandecente para os esposos cristãos na tarefa da procriação e da educação de novas vidas, enquanto participantes do poder criador de Deus e da acção redentora de Cristo na Igreja.

Cumprir com plenitude o projecto de doação pessoal implícito no matrimónio, e da entrega dos pais aos filhos através da procriação e educação, é um dever que supera as forças meramente naturais. A virtude da esperança confere aos cristãos a certeza de que, Aquele que os chamou à vocação de esposos e pais, não deixará de os assistir com a sua graça para tornar fecunda e eficaz a sua resposta às exigências concretas da própria vocação.

A fé, que ilumina o mistério da cruz fecunda, do qual participam, leva-os a viver, na esperança, a coerência desejada e nem sempre realizada em todas e cada uma das manifestações quotidianas. A certeza de que os últimos tempos começaram, mas que ainda não estão consumados, fá-los desejar e suplicar a graça, e agradecer com frutos maduros, sempre desejosos de ser revestidos da presença do Esposo que confirme definitivamente neles a fidelidade à Esposa.

As virtudes teologais e, especialmente, a caridade, aperfeiçoam o ser humano nas suas exigências naturais. Deste modo o homem, que não pode «encontrar-se plenamente a si mesmo a não ser no sincero dom de si» [28], recebe no amor participado de Cristo a força primordial para a própria realização. «O amor faz com que o homem se realize mediante a entrega sincera de si mesmo. Amar significa dar e receber o que não se pode comprar nem vender, mas somente oferecer livre e reciprocamente» [29]. A caridade participada, no caso dos esposos cristãos, é o amor esponsal, raiz última do Mistério Pascal: a união de Cristo com a Igreja. «Assim, em cada família autenticamente cristã – recorda-nos S. Josemaria Escrivá – reproduz-se de algum modo o mistério da Igreja, escolhida por Deus e enviada como guia do mundo» [30].

A família é incorporada à Igreja respeitando, mais ainda, confirmando e elevando a acção da Igreja, o que constituía missão própria de tal comunidade natural. «Se a família cristão é uma comunidade cujos vínculos foram renovados por Cristo mediante a fé e os sacramentos, a sua participação na missão da Igreja deve realizar-se conforme uma modalidade comunitária: isto é, juntamente os cônjuges como casal, os filhos e os pais enquanto família, devem viver o próprio serviço à Igreja e ao mundo» [31].

Daqui que a missão da família na Igreja não seja a soma das missões dos membros que a compõem. A Exortação apostólica Familiaris consortio esclarece que «a família cristã está chamada a tomar parte viva e responsável na missão da Igreja de modo próprio e original, isto é, pondo-se ela mesma ao serviço da Igreja e da sociedade no seu ser e na sua acção, enquanto íntima comunidade de vida e de amor» [32].

O matrimónio e a família, graças ao seu conteúdo fundamental do dom de si ao cônjuge e aos filhos, são em si mesmos expressão primária e protótipo de todo o vínculo social [33]. Quando além disso é vivificada pelo amor de Cristo, a família converte-se em igreja doméstica, célula básica do Reino de Cristo entre os homens; sinal participado da comunhão e amor fecundo entre Cristo e a Igreja [34]. A família «como "igreja doméstica", é a esposa de Cristo. A Igreja universal, e dentro dela cada Igreja particular, manifesta-se mais imediatamente como esposa de Cristo na "igreja doméstica" e no amor que se vive nela: o amor conjugal, amor paterno e materno, amor de uma comunidade de pessoas e de gerações» [35].


6. Sacerdócio comum: a oferenda da própria existência
«Pelo Baptismo, fomos todos constituídos sacerdotes da nossa própria existência, para oferecer vítimas espirituais que sejam agradáveis a Deus por Jesus Cristo (1 Pe 2, 5) para realizar cada uma das nossas acções em espírito de obediência à vontade de Deus, perpetuando assim a missão do Deus-Homem» [36].

Todo o baptizado deve viver o próprio sacerdócio convertendo a sua existência num culto agradável a Deus Pai. «E como do sacramento derivam para os cônjuges o dom e a obrigação de viver quotidianamente a santificação recebida, assim nesse mesmo sacramento se fundamentam a graça e o dever de transformar toda a sua vida num contínuo sacrifício espiritual» [37].

Existe portanto uma característica específica do sacerdócio comum dos esposos cristãos: o modo peculiar de fazer da sua própria existência uma oferta espiritual. O sacramento do matrimónio transformou em unidade social aquela identificação com Cristo previamente adquirida por cada um no Baptismo. Portanto, a oferenda da própria existência tem para eles uma dimensão específica: a unidade conjugal. O sacerdócio comum dos esposos adquire uma dimensão familiar. De agora em diante cada um deles não poderá viver a oferenda da sua existência a não ser como esposo e esposa e, portanto, como pai ou mãe, pelo menos potencialmente.

Por outras palavras, os cônjuges cristãos não podem viver a oferenda das próprias vidas a não ser no exercício da missão de esposos e pais, própria da sua identidade dentro do Povo de Deus. As virtudes humanas e cristãs fá-los-ão viver a vontade concreta de Deus em todas as actividades e deveres próprios, e descobrir neles a resposta de entrega como oferta grata a Deus por Jesus Cristo.

Toda a vida é, por conseguinte, exercício deste sacerdócio, e toda a vida estará cheia pela entrega ao cônjuge e aos filhos. Este é o seu modo peculiar e eficaz de construir a cidade dos homens e a cidade de Deus. Qualquer outra actividade ou ocupação, trabalho, descanso, vida de piedade e de relação social, encontra-se em estreita unidade com a ocupação fundamental que Deus estabeleceu como centro das suas vidas.

A Eucaristia adquire para os esposos, nesta perspectiva da oferenda da própria existência, não só a função de raiz da que nasce o próprio sacerdócio, mas também de consumação do mistério da entrega fecunda da qual participam. O mistério eucarístico potencia toda a sua entrega de esposos, e deles mesmos aos filhos, com o dinamismo de totalidade da entrega de Cristo ao Pai. A Eucaristia, para aqueles que, graças à sua união, são sinal e representação da entrega de Cristo à Igreja, leva a uma especial urgência de realizar no mundo – hoje e agora – o amor de Deus aos homens revelado na morte de Cristo. «Com efeito, todas as suas obras –afirma a propósito dos leigos a Constituição sobre a Igreja do Concílio Vaticano II –, as suas orações e iniciativas apostólicas, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso espiritual e corporal, se se cumprem no Espírito, e inclusivamente as agruras da vida se são suportadas com paciência, convertem-se em sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo (cfr. 1 Pe 2, 5), os quais são piedosamente oferecidos na celebração da Eucaristia juntamente com a oblação do Corpo de Nosso Senhor» [38].

Revelar, com a peculiaridade dos esposos e pais cristãos, o mistério do amor é contribuir para a sua glorificação. Dar glória a Deus, como fim próprio do homem nesta terra, está intimamente ligado à santidade e à perfeição, bem como à própria felicidade humana das famílias. «Mas não esqueçam que o segredo da felicidade conjugal está no quotidiano, não em sonhos. Está em encontrar a alegria íntima que dá a chegada ao lar; está no convívio carinhoso com os filhos; no trabalho de todos os dias, em que colabora toda a família; no bom humor perante as dificuldades, que é preciso encarar com desportivismo» [39].

No caso dos esposos, a santidade e, portanto, a glória de Deus, constrói-se secundando na vida quotidiana, de modo consciente e voluntário, os deveres centrais que especificam a vocação como entrega conjugal ao serviço da vida.

Qualquer outra orientação dirigida a dar glória a Deus que prescindisse destas coordenadas básicas da santidade conjugal, seria um desvio para os esposos. O modo próprio e específico da santidade dos esposos consiste em reproduzir na própria vida o mistério do qual participam em virtude do sacramento: um mistério de entrega fecunda. Este é o caminho da sua perfeição cristã e da glória de Deus reflectida nas suas vidas. Testemunhos do amor de Cristo na Cruz: entrega fecunda.

Com palavras de S. Paulo, o Papa suplica pela santidade dos esposos e das famílias: «Dobro os meus joelhos diante do Pai do qual toma nome toda a paternidade e maternidade "para que vos conceda … que sejais fortalecidos pela acção do seu Espírito no homem interior" (Ef 3, 16)» [40].




Notas:

[1] João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris consortio, 22-XI-1981, n. 56.

[2] Josemaria Escrivá, Cristo que passa, n. 22.

[3] «O sentido cristão autêntico – que professa a ressurreição de toda a carne – sempre combateu, como é lógico, a desencarnação, sem receio de ser julgado materialista» (Josemaria Escrivá, Temas Actuais do Cristianismo, n. 115).

[4] Cfr. Josemaria Escrivá, Caminho, n. 27; Temas Actuais do Cristianismo, nn. 45, 91, 93.

[5] Josemaria Escrivá, Temas Actuais do Cristianismo, n. 91.

[6] João Paulo II, Exort. apost. Familiaris consortio, 22-XI-1987, n. 17.

[7] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, n. 12.

[8] Cfr. P. Adnès, El matrimonio, Herder, Barcelona (1972, 2ª ed.), p. 28.

[9] João Paulo II, Carta às famílias Gratissimam sane, 2-II-1994, n. 11.

[10] João Paulo II, Carta às famílias Gratissimam sane, 2-II-1994, n. 12.

[11] João Paulo II, Carta às famílias Gratissimam sane, 2-II-1994, n. 12.

[12] Josemaria Escrivá, Cristo que passa, n. 24.

[13] Josemaria Escrivá, Cristo que passa, n. 25

[14] Cfr. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, n. 91.

[15] Josemaria Escrivá, Cristo que passa, n. 25.

[16] João Paulo II. Carta às famílias Gratissimam sane, 2-II-1944, n. 12.

[17] Cfr. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, n. 51.

[18] Josemaria Escrivá, Temas Actuais do Cristianismo, n. 91,

[19] Cfr. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes. N. 48.

[20] Josemaria Escrivá, Cristo que passa, n. 23.

[21] Cfr. Cant 8, 6.

[22] Josemaria Escrivá, Cristo que passa, n. 23.

[23] Josemaria Escrivá, Cristo que passa, n. 23.

[24] João Paulo II, Carta às famílias Gratissimam sane, 2-II-1994, n. 19.

[25] Josemaria Escrivá, Cristo que passa, n. 23.

[26] João Paulo II, Exort. apost. Familiaris consortio, 22-XI-1981, n. 51.

[27] João Paulo II, Exort. apost. Familiaris consortio, 22-XI-1981, n. 51.

[28] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, n. 24

[29] João Paulo II, Carta às famílias gratissimam sane, 2-II-1944, n. 11.

[30] Josemaria Escrivá, Cristo que passa, n. 30.

[31] João Paulo II, Exort. apost. Familiaris consortio, 21-XI-1981, n. 50.

[32] João Paulo II, Exort. apost. Familiaris consortio, 21-XI-1981, n. 50.

[33] Cfr. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, n. 12.

[34] Cfr. Concílio Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium, n. 11.

[35] João Paulo II,Carta às famílias Gratissimam sane, 2-II-1994, n. 19.

[36] Josemaria Escrivá, Cristo que passa, n. 96.

[37] João Paulo II, Exort. apost. Familiaris consortio, 21-XI-1981, n. 56.

[38] Concílio Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium, n. 34.

[39] Josemaria Escrivá, Temas Actuais do Cristianismo. n. 91.

[40] João Paulo II, Carta às famílias gratissimam sane, 2-II-1994, n. 23.

Artigo de D. Francisco Gil Hellín publicado em Romana, n. 20 (1995)

domingo, 11 de setembro de 2011

A defesa da família e da vida nos discursos do Papa Bento XVI no Brasil


 
A defesa da família e da vida nos discursos do Papa Bento XVI no Brasil
Como o Papa Bento XVI apresentou a questão em sua viagem ao Brasil
 

Merece destaque nos discursos do Papa, em sua visita ao Brasil, a defesa da família e da vida.

"É verdade que os tempos de hoje são difíceis para a Igreja e muitos dos seus filhos estão atribulados. A vida social está atravessando momentos de confusão desnorteadora. Ataca-se impunemente a santidade do matrimônio e da família, iniciando-se por fazer concessões diante de pressões capazes de incidir negativamente sobre os processos legislativos; justificam-se alguns crimes contra a vida em nome dos direitos da liberdade individual; atenta-se contra a dignidade do ser humano; alastra-se a ferida do divórcio e das uniões livres... Como não sentir tristeza em nossa alma? Mas tende confiança: a Igreja é santa e incorruptível (cf. Ef 5,27). Dizia Santo Agostinho: "Vacilará a Igreja se vacila o seu fundamento, mas poderá talvez Cristo vacilar? Visto que Cristo não vacila, a Igreja permanecerá intacta até o fim dos tempos" (Enarrationes in Psalmos, 103,2,5; PL, 37, 1353.) (Discurso aos bispos do Brasil, 11/mai).

A família, "patrimônio da humanidade", constitui um dos tesouros mais importantes dos povos latino-americanos. Ela foi e é a escola de fé, palestra de valores humanos e cívicos, lar em que a vida humana nasce e é acolhida generosa e responsavelmente. Todavia, na atualidade sofre situações adversas provocadas pelo secularismo e pelo relativismo ético, pelos diversos fluxos migratórios internos e externos, pela pobreza, pela instabilidade social e pelas legislações civis contrárias ao matrimônio que, ao favorecer os anticoncepcionais e o aborto, ameaçam o futuro dos povos. (Discurso inaugural do V CELAM, 13/mai).

Os povos latino-americanos e caribenhos têm direito a uma vida plena, própria dos filhos de Deus, com condições mais humanas: livres das ameaças da fome e de todas as formas de violência. Para estes povos, os seus Pastores têm que fomentar uma cultura da vida que permita, como dizia o meu Predecessor Paulo VI, "passar da miséria à posse do necessário, à aquisição da cultura, à cooperação no bem comum... até chegar ao reconhecimento, por parte do homem, dos valores supremos e de Deus, que é a origem e o termo deles" (cf. Populorum progressio, 21).
Neste contexto, é-me grato recordar a Encíclica "Populorum progressio", cujo 40º aniversário recordamos no corrente ano. Este documento pontifício põe em evidência o fato de que o desenvolvimento deve ser integral, isto é, orientado rumo à promoção de todo o homem e de todos os homens (cf. n. 14), e convida todos a eliminar as graves desigualdades sociais e as enormes diferenças no acesso aos bens. Estes povos aspiram, sobretudo, à plenitude de vida que Cristo nos trouxe: "Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância" (Jo 10, 10). Com esta vida divina desenvolve-se também plenamente a existência humana, nas suas dimensões pessoal, familiar, social e cultural. (Discurso inaugural do V CELAM, 13/mai).

A Igreja quer apenas indicar os valores morais de cada situação e formar os cidadãos para que possam decidir consciente e livremente; neste sentido, não deixará de insistir no empenho que deverá ser dado para assegurar o fortalecimento da família - como célula mãe da sociedade; da juventude - cuja formação constitui um fator decisivo para o futuro de uma Nação - e, finalmente, mas não por último, defendendo e promovendo os valores subjacentes em todos os segmentos da sociedade, especialmente dos povos indígenas. (Discurso de boas vindas, 9/mai)

Nossa busca pela vida vem desde o papa João Paulo 2º. Ele fez disso um ponto central de seu pontificado, fez uma encíclica que avançava já nessa mensagem de que a vida é um dom, e não uma ameaça. Nessas situações [legalização do aborto no México] há um certo egoísmo e, de outra parte, é uma questão de valor e beleza da vida. É nisso que está o futuro. Sobretudo a vida é bela. Isso não é uma questão da igreja, é um dom em si. Mesmo em condições difíceis, é sempre um dom recriar o reconhecimento desta beleza. Sobre o futuro, claro, pairam tantas ameaças, mas a felicidade é que Deus é sempre mais forte e presente no teatro da história, para que possamos dar, com confiança, a vida a um novo ser humano. A fé garante a beleza da vida. Podemos resistir a esse egoísmo e a esse medo, que está em algumas coisas dessas legislações. (Entrevista coletiva dada no avião durante a viagem ao Brasil, 9/mai – TEXTO NÃO OFICIAL)

Sei que a alma deste Povo, bem como de toda a América Latina, conserva valores radicalmente cristãos que jamais serão cancelados. E estou certo que em Aparecida, durante a Conferência Geral do Episcopado, será reforçada tal identidade, ao promover o respeito pela vida, desde a sua concepção até o seu natural declínio, como exigência própria da natureza humana; fará também da promoção da pessoa humana o eixo da solidariedade, especialmente com os pobres e desamparados. (Discurso de boas vindas, 9/mai)

 
 

 

terça-feira, 6 de setembro de 2011

ALGUNS UTENSÍLIOS PARA O CASAMENTO



Maridos e mulheres, sujeitai-vos uns aos outros no temor de Cristo" (Ef 5, 21-33).
Assistindo a um casamento, um Bispo recomendava aos noivos que levassem para a nova residência três coisas que pertenciam às famílias tradicionais: tesoura, agulha e linha. Mas não levá-las apenas materialmente, afinal, é difícil uma casa sem tesoura, agulha e linha. Estes três objetos devem adquirir um sentido simbólico: cortar o que separa e costurar o que une na vida matrimonial.
Num estilo de vida que privilegia o interesse pessoal, o narcisismo e descarta a compreensão e o perdão, é sempre mais difícil a convivência do homem e da mulher. É verdadeiro milagre dois jovens iniciarem uma vida a dois e vencerem os desafios que essa comporta. Afinal, estamos no mundo do bem-estar, onde os conflitos não são resolvidos, mas anestesiados: Prozac para depressão, Lexotan para ansiedade, Dormonid para ansiedade, Antak para gastrites e úlceras do stress, e mais ginástica, natação, spa, massagem, ioga etc, tudo para não olhar de frente os problemas. (Evidente que tudo isso pode ser necessário, pois há doenças provindas de nosso organismo debilitado).
O egoísmo e o narcisismo (olhar apenas o próprio interesse) inventam fugas aparentemente modernas: casamento com casas separadas, casamento de experiência, casamento múltiplo (o homem aceita que a esposa tenha casos e vice-versa), swing (troca de casais), o amor-livre, deixando de lado um compromisso estável, e muito mais. Tudo isso para que se evite o desafio do amor que é inseparável da doação, do diálogo, da fidelidade, perdão, paciência, auto-ajuda.
Quando se sabe o que se quer – o homem responsabilizar-se pela felicidade da mulher e a mulher se consagrar à realização do homem – buscam-se caminhos próprios e não se medem os sacrifícios. Quando se pensa apenas em si, o casamento é realmente inútil e prejudicial: não foi feito para egoístas.
Voltemos aos nossos "instrumentos". A tesoura serve para cortar tudo o que impede a boa convivência: olhar apenas os defeitos, fixar-se nos erros, nas exigências exageradas ou impossíveis, recordar problemas do passado, alterar a voz para vencer "no grito", fazer-se de vítima, de sofredor(a). Cortar as dependências familiares (minha mãe era diferente, meu pai resolvia assim, minha mãezinha cozinhava melhor), aparar as diferenças: há coisas do passado que devemos conservar e muitos supérfluos de que devemos nos livrar. Ninguém pode viver sempre dizendo "eu aprendi desse jeito".
A agulha e a linha devem servir para costurar os corações, fazer pontos que impeçam de se rasgar o tecido do amor, cerzir as costuras enfraquecidas por desavenças, experiências dolorosas. Ajudam como a agulha e a linha do médico, necessárias após uma cirurgia. Certamente a agulha, quando espeta, provoca sangramento, dor, mas dá pontos que garantem a união do tecido cortado para extirpar o tumor. Se a tesoura corta o que separa, a linha e a agulha costuram tudo o que une, favorece a união e a fidelidade matrimonial, formando o tecido de um só coração e uma só alma.
Pe. José Artulino Besen