"Poderíamos aqui meditar sobre como seria saudável também para a nossa sociedade atual se num dia as famílias permanecessem juntas, tornassem o lar como casa e como realização da comunhão no repouso de Deus" (Papa Bento XVI, Citação do livro Jesus de Nazaré, Trad. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ, São Paulo: Ed. Planeta, 2007, p. 106)

sábado, 6 de novembro de 2010

“Santa Teresa e a família” e “Santa Teresa, mulher do século XXI, ante os desafios do mundo moderno”

Ir. Verônica do Coração de Maria OCD.

Queridos amigos e amigas aqui presentes, boa noite a todos!
Antes de mais nada, vou me apresentar àqueles que não me conhecem: sou Ir. Verônica do Coração de Maria, monja Carmelita Descalça pertencente ao convento de Santa Teresa, em Santa Teresa. Justamente o núcleo colonizatório e histórico, que deu nome ao bairro, pois o bairro de Santa Teresa nasceu em torno de nosso convento, fundado em 1750 por Madre Jacinta de São José, sob os auspícios do Conde de Bobadela, então 9º Vice-Rei de Portugal, sendo por isso, o primeiro mosteiro carmelita Descalço fundado em terras brasileiras.
Neste momento em que me apresento, gostaria de estar entre vocês, simplesmente como irmã, que puxasse a cadeira, e, se possível fosse, me sentasse ao lado de cada um, de cada uma, e de lhes falar, fitando bem nos olhos, a fim de que minhas palavras pudessem tocar-lhes o coração “com mão branda e toque suave”.
Por vocação não sou conferencista nem palestrante; sou apenas monja, mulher de oração, filha espiritual e discípula de nossa grande Santa Madre Teresa de Jesus, e como Irmã que reza pelas necessidades da Igreja, da humanidade, de cada pessoa, que acorre a nosso mosteiro com seus sofrimentos, angústias, esperanças, a partir de minha experiência vivencial conduzirei esta singela abordagem, centrada em duas temáticas básicas: “Santa Teresa e a família” e “Santa Teresa mulher do século XXI ante os desafios do mundo moderno”.
Com muito carinho e alegria, aceitei o convite de meus queridos co-Irmãos da comunidade da Basílica Santa Teresinha, por meio de Fr. Wilson, para deixar a solidão e o silêncio de minha clausura e estar esta noite com vocês, e também posso acrescentar... Aceitei este convite com “temor e com tremor”; alegria e carinho porque é sempre com júbilo que um filho, uma filha de nossa Santa Madre Teresa, deixa extravasar seu coração para falar de uma mãe genial e muito amada, “com temor e com tremor”, porque é também desafiador a uma monja enclausurada falar em público, em curto espaço de tempo para transmitir toda a riqueza e a pura seiva da espiritualidade teresiana; mas peço ao Divino Espírito Santo, especialista em se servir de instrumentos pobres e pequenos, que se sirva de meu nada como instrumento Seu, e possa operar Ele mesmo, trazendo Teresa como nossa interlocutora e transformando minhas singelas palavras em luz que ilumine o caminho, bálsamo para as feridas existenciais, bússola que possa nortear alguém, em algum momento cruciante de decisão.
Todos nós sabemos por experiência que a família é o primeiro núcleo onde somos modelados como pessoas, onde formamos nossas personalidades e educamos nossos caracteres; onde aprendemos a dar e a receber o afeto, a obedecer, a pensar nos outros, a renunciar muitas vezes à nossa vontade própria, a ser caridosos partilhando o que temos, a nos doar através da entrega abnegada de cada cotidiano .
A família é também o lugar privilegiado onde descobrimos nossas potencialidades, luzes e sombras de nosso “ego”, fraquezas, limites pessoais e a partir desta experiência vivencial, nos abrimos paulatinamente a novos horizontes de misericórdia e capacidade de perdão, para com aqueles que amamos e que nos cercam, mais de perto; gostaria agora de evocar as palavras de um grande místico moderno Thomas Merton, ao escrever: “A miséria é para nós vantagem, quando de nada precisamos a não ser de misericórdia”. É justamente o Livro da Vida, autobiografia de Teresa, da qual extraí a maior parte das citações aqui utilizadas - a obra por excelência onde ela canta as misericórdias operadas pelo Senhor em sua trajetória humana e espiritual.
Nós sabemos que este livro foi escrito a pedido de seus confessores, a fim de narrar sua vida interior e dele brotam suas reminiscências de infância e mocidade. Nele, bem como em suas cartas, Teresa, por assim dizer, desnuda o seu coração, “expondo sem respeito humano seus sentimentos, experiências, medos e desejos” .
A experiência familiar de Teresa - vivida em pleno século XVI, século das grandes conquistas ultramarinas, período histórico onde a Espanha era conhecida como o “Império sobre o qual o sol não se punha” - terá um denominador comum com as famílias de nossos dias, em nosso turbulento século XXI?
Seu pai D. Alonso Sanchez de Cepeda enviuvou muito cedo ficando com dois filhos; casou-se novamente com D. Beatriz de Ahumada, quando esta contava 15 anos. Teresa, nascida em 28 de março de1515, em Ávila, é filha do segundo casamento, do qual D. Alonso terá 10 filhos; uma família de 12 irmãos, onde Teresa era a mais querida de seu pai, apesar de seus defeitos.
Teresa em sua autobiografia faz clara menção à influência de seus pais em sua vida. As virtudes que possuíam e os valores que procuravam inculcar em seus filhos.
Agora, tomo a liberdade de trazer Teresa como nossa interlocutora, cedendo a ela a palavra: “Ter pais virtuosos e tementes a Deus me deveria bastar se eu não fosse tão ruim... com o que o Senhor me favoreceu para ser boa. Meu pai gostava de ler bons livros e os tinha em vernáculo para que seus filhos os lessem. E isso, ao lado do cuidado de minha mãe em fazer-nos rezar e ter devoção por Nossa Senhora e por alguns santos.
“Meu pai era homem muito caridoso para com os pobres e piedoso com os enfermos e até com os criados (...) era muito sincero. Ninguém jamais o viu praguejar ou murmurar. Era homem de extrema honestidade” (Vida 1, 1).
Teresa reconhece que tudo o que é em sua maturidade, foi moldado na infância, vendo como viviam os pais, no relacionamento e brincadeiras com os irmãos, vivenciando a partilha calorosa do afeto com os familiares.
Pais e mães queridos que aqui estão, também avós, tios e tias, que tanta influência exercem na formação dos netos e sobrinhos, hoje, em que as mães assumem o peso da administração da casa, da educação dos filhos e o tributo das fadigas da vida profissional, muito vezes deixando as crianças menores na creche ou com os demais familiares, não percam nenhuma oportunidade de lançar uma semente de Deus nos corações infantis ou jovens de seus filhos, netos e sobrinhos, procurem cultivar em seus corações o valor da amizade com Deus, da devoção a Nossa Senhora e aos Santos, o gosto pela oração, a alegria de se sentirem filhos e filhas amados e amadas de Deus, estimulando-os a frequentar sua casa, que é a Igreja.
Por maior que seja o amor que vocês lhes dedicam, vocês não serão capazes de colocar anteparos e tirar de seus caminhos as pedras inevitáveis do sofrimento. Sobretudo, em momentos em que experimentarem perdas afetivas muito profundas, seja pela morte de entes queridos, seja pela separação, feridas contundentes causadas pela batalha da vida, quando os valores lhes vão sendo tirados pela ação despojadora do tempo - e quem de nós jamais fez tal experiência?- Somente lhes restará para dar-lhes tônus moral, envergadura psicológica, consistência afetiva, o tesouro estável e duradouro da fé, do hábito da oração, da presença de Deus, no íntimo do ser, em seu Castelo Interior.
É Teresa que nos aconselha: “Espere tudo da misericórdia de Deus, sabendo que ninguém o tomou como amigo sem ser amplamente recompensado” (Vida 8,5).
Ao perder sua mãe, aos 13 anos, experimenta a eficácia da proteção materna da Virgem Maria, segundo seu testemunho: “Recordo-me de que, quando minha mãe morreu, eu tinha doze anos (...) Quando comecei a perceber o que havia perdido, fui aflita a uma imagem de Nossa Senhora e supliquei-lhe com muitas lágrimas que fosse minha mãe. Parece-me que, embora o fizesse com simplicidade, isso me tem valido, porque reconhecidamente tenho encontrado essa Virgem soberana sempre que me encomendo a Ela e finalmente atraiu-me a Si” (Vida 1,7)
Nas datas mais marcantes da vida de nossas crianças e jovens, aniversários, Natal, a vitória da aprovação no vestibular, em meio aos presentes desejados, roupas, calçados, vídeos games, filmadoras, um potente laptop, não deixem também de oferecer-lhes o insubstituível presente de um bom livro, presente até menos caro e sempre portador de valores morais e religiosos; como já foi citado, através do exemplo de seu pai, afeito a boas leituras, Teresa adquiriu o gosto pelos livros e seu proverbial amor pela cultura.
Todos conhecemos a importância das relações entre irmãos na formação da pessoa humana, sob o ponto de vista social constituem a primeira etapa para a inclusão de crianças e jovens no grupo de amigos, na escola e na sociedade e do ponto de vista pessoal, tais relações influenciam o desenvolvimento da personalidade, pois os irmãos tendem a se imitar. Teresa aqui também vivenciou em profundidade a dimensão do afeto fraterno e, assim nos narra “Tinha um irmão quase da minha idade (...) Juntávamo-nos a ler vidas de santos (...). Espantava-me muito dizer que pena e glória era para sempre (...) Gostávamos de dizer muitas vezes: para sempre, para sempre. Em pronunciar isto muito tempo era o Senhor servido que me ficasse impresso, na meninice, o caminho da verdade” (Vida 1,5) .
“Esta verdade, sempre buscada pelo homem de todas as épocas, o homem que guarda perenemente em seu coração a sede do sagrado” e a sede de felicidade.

“Santa Teresa mulher do século XXI ante os desafios do mundo moderno”

Nestes cinco séculos que nos separam de nossa Santa Madre Teresa, quatro correntes culturais tentaram criar uma “pedagogia da salvação” para o homem, mas não o conseguiram. O Humanismo (século XVII), o Iluminismo (século XVIII), o Racionalismo (século XIX) e o Materialismo (século XX) .
Surgiram confrarias, sociedades, clubes, seitas com o objetivo de estancar no homem moderno, solitário e deprimido – apesar da possibilidade até mesmo de ter “amigos na rede on-line”- nossos homens e mulheres, às vezes errantes, em sua sede de ser feliz. Só o amor e a liberdade respondem pela verdadeira felicidade do homem. A comunhão com a fonte da vida- Deus, Uno e Trino- o faz tomar consciência de sua filiação, de sua dignidade e grandeza e de sua responsabilidade no panorama do mundo.
“Deus é aquele que sabemos que nos ama. Não pode querer o mal... por razões de época- o Renascimento e por razões espirituais, Teresa é humana e humanista. O que transparece, por exemplo, em sua noção de santidade: “quanto mais santas mais conversáveis” (CV)” e ainda “a caridade cresce com a comunicação” (Vida 7, 22).
Assim, os escritos de Teresa e seus ensinamentos não se dirigem apenas aos homens e mulheres do século XVI, mas a colocam bem próxima de nós, por ser Teresa afetiva em suas relações, comunicativa, ardorosa em seu amor à vida e amor pela cultura, apaixonada em sua aventura espiritual, com seu espírito clarividente e aberto.
Este patrimônio não é exclusivo da Igreja e da Ordem do Carmelo, pertence a toda a cristandade e não somente aos cristãos, mas a qualquer homem e mulher em busca de maior plenitude interior; assim, Teresa é estudada não apenas por religiosos, cristãos e intelectuais, mas até por agnósticos e marxistas, como o filósofo Roger Garaudy, que afirmou em uma conferência em Salzburg: “Para nós, marxistas, os maiores representantes do amor humano são os místicos espanhóis Santa Teresa e São João da Cruz”.
A atualidade de sua doutrina deve-se ao fato de que por ela as angústias existenciais tão características de nossa época são superadas por uma realidade maior e mais fecunda: o absoluto de Deus, um valor que não se deteriora ante a transição dos séculos. Teresa ensina ao homem e à mulher de todos os tempos a atingir o centro de seu ser, o seu Castelo Interior, através do encontro íntimo com o verdadeiro Deus, pela da oração. E para Teresa, tão humana e afetiva, o que é fazer oração, o que é rezar? “Não é outra coisa a oração mental... senão um trato de amizade, estando muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama” (Vida, 8,5) e ainda:” O amor é todo o bem da oração fundada na humildade” (Vida 10,5).
Sua confiança em seu Senhor, que ela de maneira tão fidalga, não hesitava em chamar de “Sua Majestade”, não deixava em detrimento sua intimidade filial e amorosa para com São José, do qual foi a precursora de seu culto, na Igreja. A este respeito escreve: “A outros Santos parece o Senhor ter dado graça para socorrer numa determinada necessidade. Ao glorioso S. José tenho experiência de que socorre em todas’ (V. 6,6); “Só peço por amor de Deus, que o prove quem não me crer, e verá por experiência o grande bem que é encomendar-se a este excelso Patriarca e lhe ter amor” (Ibdem); “Ainda que tenha muitos santos por advogados, tenha sempre particular devoção a São José, que muito alcança de Deus” (Aviso nº 65).
Teresa é mulher de carne e osso encarnada em nosso tempo, nada faltaria mais à verdade de seu ser que imaginá-la aureolada, sobre os altares e somente arrebatada em elevados êxtases, bem ao contrário Teresa é pragmática e realista. Enquanto gestava a Reforma e escrevia suas Constituições, esmerava-se também em fazer com bom tempero a refeição de suas monjas.
Citarei aqui um excerto de um dos artigos da profª Lúcia Pedrosa de Pádua, sem dúvida a maior teresianista de nosso Brasil: “Teresa é escritora e mestra de espirituais- um reconhecimento raro às mulheres e que não lhe custou barato, haja vista as censuras, as críticas, as desconfianças, o ódio levantado contra ela em sua ação de registrar sua experiência e exercer o magistério teológico-espiritual. Chegou até nós, através do testemunho do teólogo dominicano Domingo Bañez, a informação sobre o preconceito que o teólogo Bartolomé de Medina tinha sobre Teresa, antes de conhecê-la e tornar-se seu amigo.
Para ele não era próprio de “mulheres irem de um lado para outro e que ela faria muito melhor em permanecer em casa e ali rezar e fiar.
E no entanto, Teresa torna-se mulher da palavra escrita”.
Vivemos num mundo e numa sociedade repleta de contradições. Por todo lado, sobretudo, numa grande cidade como a nossa, envolve-nos a violência e a insegurança.
Os meios de comunicação ajudam a divulgar imagens do mundo da criminalidade e da morte, a questão do aborto e outras tantas.
Em meio a uma cultura de morte, sejamos nós cristãos convictos, construtores da civilização do amor, obreiros do Reino de Deus; não sejamos tíbios em dar nosso testemunho de crença no Senhor da Vida.
Que nossas famílias sejam, sempre e cada vez mais, promotoras da verdadeira dignidade da pessoa humana, portadoras de valores cristãos, Igreja doméstica.
A todos aqui presentes, que procurem aproximar suas crianças e jovens de Deus, através do exemplo de suas próprias vidas. O exemplo forja, convence, arrasta em seu seguimento mais do que meramente as palavras.
Em meio à fadiga e à pressão do mundo moderno, temos muitas vezes a tentação de guardar Deus em alguma gaveta da casa e tirá-lo somente para a Ele recorrer nos momentos prementes de angústia e de dor.
Que Ele seja o Amigo de caminhada, como nos ensina Teresa em seu magistério “que mais queremos além de um Amigo tão bom ao nosso lado, que não nos deixa passar sozinhos por sofrimentos e tribulações? (...) Bem-aventurado quem o amar de verdade e sempre o tiver junto a si” (Vida 22,7)
Que Teresa de Jesus nos ensine a ser “amigos fortes de Deus”, audazes em construir pontes ao invés de abismos, incansáveis em buscar a intimidade divina em nosso Castelo Interior.
Que Ela seja enfim, no difícil momento histórico em que vivemos, profetisa de uma “esperança que não decepciona”.

Bibliografia:
Obras Completas de Santa Teresa, Ed. Loyola, 1995
Châtelet, François in História da Filosofia, Idéias, Doutrinas- Zahar Editores, 1974
Blayney, Geoffrey in “Uma breve História do mundo”, Editora Fundamento, 2009
Pedrosa, Lúcia de Pádua in Relações de gênero e desafios da vida afetiva
Atualidade da espiritualidade de Santa Teresa de Ávila- PUC- Rio
Garcia, Júlia Villa in Influência da família em Santa Teresa e papel da família atual na educação dos filhos- Universidade Pontifícia de Salamanca