"Poderíamos aqui meditar sobre como seria saudável também para a nossa sociedade atual se num dia as famílias permanecessem juntas, tornassem o lar como casa e como realização da comunhão no repouso de Deus" (Papa Bento XVI, Citação do livro Jesus de Nazaré, Trad. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ, São Paulo: Ed. Planeta, 2007, p. 106)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Homem e Mulher: Dom recíproco (Papa João Paulo II)





"Segundo Gênesis, 2, 25, «o homem e a mulher não sentiam vergonha». Isto permite-nos chegar à conclusão que a troca do dom, na qual participa toda a humanidade deles — alma e corpo, feminilidade e masculinidade — se realiza conservando a característica interior (isto é precisamente a inocência) da doação de si e da aceitação do outro como dom. Estas duas funções da mútua troca estão profundamente ligadas dentro de todo o processo do «dom de si»:

o dar e o aceitar o dom compenetram-se: de maneira que o dar mesmo, torna-se aceitar; e o aceitar, transforma-se em dar.

Gênesis 2, 23-25 permite-nos deduzir que a mulher, que no mistério da criação «é dada» ao homem pelo Criador, graças à inocência original é «acolhida», ou seja, aceite por ele como dom. O texto bíblico neste ponto é de todo claro e límpido. Simultaneamente, a aceitação da mulher por parte do homem e o modo mesmo de aceitá-la tornam-se quase uma primeira doação, de modo que a mulher dando-se (desde o primeiro momento em que no mistério da criação foi «dada» ao homem por parte do Criador), «descobre-se» ao mesmo tempo «a si mesma», graças a ter sido aceite e acolhida e graças ao modo como foi recebida pelo homem.

Ela encontra-se portanto a si mesma no próprio dar-se («por meio de um dom sincero de si» [Gaudium et Spes, 24], quando é aceite assim como a quis o Criador, isto é «para si mesma», através da sua humanidade e feminilidade; quando nesta aceitação é assegurada toda a dignidade do dom, mediante a oferta do que ela é em toda a verdade da sua humanidade e em toda a realidade do seu corpo e sexo, da sua feminilidade, ela chega à íntima profundidade da sua pessoa e à plena posse de si. Acrescentemos que este encontrar-se a si mesmo no próprio dom se torna fonte de novo dom de si, que aumenta devido à interior disposição à troca do dom e na medida em que encontra uma mesma e até mesmo mais profunda aceitação e acolhimento, como fruto de uma cada vez mais intensa consciência do dom em si.

Parece que a segunda narrativa da criação marcou «desde o princípio» ao homem a função de quem sobretudo recebe o dom (Cf. especialmente Gênesis, 2). A mulher é «desde o princípio» confiada aos seus olhos, à sua consciência, à sua sensibilidade e ao seu «coração» ele, pelo contrário, deve, em certo sentido, assegurar o processo da troca do dom, a recíproca compenetração do dar e receber como dom, a qual, precisamente através da reciprocidade, cria autêntica comunhão de pessoas.

Se a mulher, no mistério da criação, é aquela que foi «dada» ao homem, este, por seu lado, recebendo-a como dom na plena verdade da sua pessoa e feminilidade, por isso mesmo enriquece-a e ao mesmo tempo também ele, nesta relação recíproca, fica enriquecido.

O homem enriquece não só por meio dela, que lhe dá a sua pessoa e feminilidade, mas também por meio da doação de si mesmo. A doação por parte do homem, em resposta à da mulher, é para ele mesmo enriquecimento; de facto, nela manifesta-se quase a essência específica da sua masculinidade que, por meio da realidade do corpo e do sexo, atinge a íntima profundidade da «posse de si», graças à qual é capaz tanto de dar-se como de receber o dom do outro.

O homem, portanto, não só aceita o dom, mas ao mesmo tempo é acolhido como dom pela mulher, ao revelar-se a interior essência espiritual da sua masculinidade, juntamente com toda a verdade do seu corpo e sexo. Assim aceite, ele, por esta aceitação e este acolhimento do dom da própria masculinidade, enriquece. Em seguida, tal aceitação, em que o homem se encontra a si mesmo por meio do «dom sincero de si», torna-se nele fonte de novo e mais profundo enriquecimento da mulher consigo mesmo. A troca é mútua, e nela revelam-se e crescem os efeitos recíprocos do «dom sincero» e do «encontro de si».

Deste modo, seguindo os vestígios do «a posteriori histórico» — e sobretudo seguindo os vestígios dos corações humanos — podemos reproduzir e quase reconstruir aquela recíproca troca do dom da pessoa, que foi descrito no antigo texto, tão rico e profundo, do Livro do Gênesis."



(Sua Santidade, Venerável Servo de Deus, Papa João Paulo II, Audiência Geral, 6 de fevereiro de 1980)

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